Não prometo nada #39: anatomia de uma cadeirada
Cenas lamentáveis ou apenas mais uma eleição municipal?
A situação política brasileira se encontra tão bagunçada na última década que muita gente sem qualquer relação direta com o assunto sabe de cabeça, no mínimo, o nome de pelo menos três ministros do STF e do presidente da Câmara dos Deputados.
Acha que eu estou exagerando? Em 2016 eu assisti a votação do impeachment da Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados em um bar no centro de São Paulo cercada de pessoas das mais variadas personalidades.
Quais são os motivos disso? Só consigo pensar na inevitável necrose da democracia representativa transformando o cidadão comum em um cracudo médio de política — e, pior, esse assunto costuma acenar de volta para o fandom.
Para cada briga interna de deputados federais chorando emenda parlamentar para manter o eleitorado, somos “recompensados” com baixarias e escândalos absurdos demais para serem ignorados.
Nem preciso perguntar se vocês viram ou pelo menos estão sabendo da cadeirada dada pelo Datena, candidato do PSDB, contra o Pablo Marçal, do PRTB, durante o debate da TV Cultura na disputa pela prefeitura de São Paulo no último domingo (15).
Até agora, a cadeirada representa o ápice de uma disputa política pautada no algoritmo de atenção das redes sociais e, por óbvio, completamente sequestrada por um homem cujo qual só consigo definir como uma versão humana do Jogo do Tigrinho.
A cadeirada foi especial por diversos motivos, não apenas pelo ato em si. Foi algo que aconteceu em um debate no qual foram estabelecidas diversas regras para não transformar o programa em uma fábrica de conteúdo para as redes sociais.
Regras para manter o mínimo de civilidade e evitar que o negócio desvirtuasse de tal maneira a ponto de não fazer diferença alguma a presença de um mediador e de uma agência respeitada de checagem de fatos trabalhando em tempo real.
A emissora decidiu não transformar a si mesma em um palco de circo. Além das regras de conduta proibindo palavras de baixo calão, troca de ofensas e eliminando a figura da tela dividida, a TV Cultura tinha também o jornalista Leão Serva na figura de mediador.
Serva é um jornalista respeitado, já cobriu um punhado de guerras pelo mundo e não costuma deixar barato quando um político usa o jornalismo como trampolim para divulgar as próprias baixarias. Douglas Garcia que o diga.
Até o terceiro bloco, a estratégia parecia estar dando certo. Marçal, sem o costumeiro jogo de fumaça e espelhos para maquiar o discurso gerado pelo ChatGPT, parecia cabisbaixo e murcho.
Logo de cara, concentrou os ataques subterrâneos em Datena, o que me deixou surpresa. Afinal, se você está em terceiro lugar nas pesquisas, por que atacar quem está em quarto?
Datena já tinha quase ido às vias de fato no último debate contra Marçal, mas, desta vez, dobrou a aposta.
Não sou analista política, mas acredito que o Datena fez uma escolha nessas eleições de agir como uma espécie de kamikaze, um fogo de supressão contra um inimigo em comum que não joga limpo desde o dia zero da disputa eleitoral.
Pensem comigo: Datena é atualmente o homem mais arrependido do Brasil. Depois de três ou quatro eleições seguidas desistindo antes da hora, finalmente aceitou o convite do PSDB — um partido em avançado estado de decomposição em comparação ao que representava outrora para SP — logo na disputa mais deprimente da história da cidade.
Datena queria ser senador, mas insistiram no cargo de prefeito. Em contrapartida, PSDB se rachou mais ainda por causa da escolha do apresentador. Como se não bastasse tudo isso, ele ainda descobriu que teria de vir preparado para as sabatinas, saber um pouco de cor as próprias propostas genéricas, respeitar jornalistas, fazer campanha andando nas ruas para pedir voto e ainda por cima aguentar um palhaço como o Pablo Marçal cagando no chão e pintando as paredes com a própria bosta.
Nos primeiros debates e sabatinas, vimos um Datena arrependido, cansado e de saco cheio. Pior, um Datena desmoralizado por causa baixa performance nos debates e das constantes gaguejadas ao responder os adversários. Vencer nunca foi uma questão, mas sair com a imagem prejudicada virou um risco não calculado pelo apresentador.
Ele, então, fez uma escolha de neutralizar o Pablo Marçal e sair como o “macho” da disputa. Datena tomou para si um papel de fogo de supressão para colocar Marçal em uma posição defensiva (neste caso, literalmente) e não sair completamente desmoralizado de uma disputa da qual ele mesmo não estava a fim de participar.
Era uma questão de tempo pro grau subir.
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