Não prometo nada #36: todo mundo está mentindo na internet
Pensando um pouco demais no Pablo Marçal, na falência do coletivo e no programa America's Next Top Model
Muita gente acompanha essa newsletter há mais de um ano, mas preciso reforçar a minha falta de repertório acadêmico para embasar as observações acumuladas nessas mais de duas décadas perambulando na rede mundial de computadores.
Essa edição será uma dessas onde qualquer pessoa com o mínimo de bagagem teórica vai discordar de mim ou simplesmente achar tudo isso muito óbvio e lugar comum. De fato, o que quero falar hoje não é novidade e nem um grande kikiki considerando o tanto gente esperta que pensa a internet com muito mais propriedade espalhada por aí.
O problema é que eu me encontro no momento muito deprimida. Está tudo bem, só é uma coisa constante na minha vida ter esses momentos de fundo do poço. Meus episódios depressivos são funcionais, ao contrário da imagem comum ligada à depressão, mas sinto que me arrasto pela vida durante eles.
Me resta encontrar padrões que não existem, criar conexões impossíveis para entender de alguma forma o que me aflige e para onde meus olhos fixam nesses momentos.
E infelizmente tenho acompanhado de perto as eleições municipais de São Paulo — e é impossível desviar o olhar do Pablo Marçal.
O coach de marketing digital é a síntese de tudo o que considero de mais detestável em um ser humano, mas acompanhar as pegadas digitais dele tem sido um exercício quase antropológico e muito esclarecedor do que significa ser famoso na era da plataformização da internet e os farrapos que restaram da nossa percepção de coletividade e confiança na estrutura que une todos nós no mesmo lugar.
Acima de tudo, Marçal é um perfeito exemplo do que significa ser gente de acordo com as normas determinadas pelo Instagram, Tiktok, Hotmart e sites de apostas.
De longe, Marçal é o candidato com mais influência nas redes sociais e o que mais tem controle da própria imagem. Não se engane, cada postagem é pensada e feita na unha pelo próprio influenciador e, muito provavelmente, por uma equipe enorme de funcionários dedicados exclusivamente a talhar a personalidade dele todos os dias.
Pra quem é um produto dos anos 90/00, Marçal se desenrola como um apanhado de diferente gurus, mas com um forte sotaque goiano e a típica dentadura branca que assola a face de todos as pessoas com mais de 200k seguidores no Instagram. Tem horas que ele me parece uma versão ritalinada do Tony Robbins, com pitadas de Lair Ribeiro e boas doses de pastores evangélicos adornados de monogramas e relógios que alimentariam uma vila inteira da Serra Leona durante um mês.
A possibilidade de controle de imagem permitida pelas plataformas transformou o Pablo Marçal em uma hidra de milhões de cabeças. Não importa o quão descontrolado e imbecil ele seja ao vivo, isso não impacta a realidade paralela governada por ele mesmo nas redes sociais.
Ao vivo, ele é patético, mas na realidade controlada do influenciador, ele é disruptivo, destemido e “verdadeiro”. Exatamente os mesmos elogios que líamos em 2017/2018 quando Jair Bolsonaro começou a crescer como uma webcelebridade e uma figura anti establishment.
A figura de Pablo Marçal se desenrola perante a todos nós como um anúncio de um desastre sem precedentes, ilustrando exatamente o que restará de nós depois que tudo ficou concentrado nas mãos de poucas empresas multinacionais cujo principal objetivo não é pensar no nosso bem-estar, mas sim no quanto que podemos ser espremidos para aumentar os lucros.
A pior parte? Sinto que quem deveria ser opositor de Marçal não entendeu exatamente o que está em jogo e como esse jogo deve ser jogado. As regras de civilidade e respeito comum acabaram.
Vivemos agora uma espécie de sharia tiktoker.