Oie, quanto tempo, né?
Eu tive que me ausentar um tiquinho, mas a parceria com a Filmicca continua firme e forte.
A Filmicca é uma plataforma de streaming nacional independente com um acervo incrível de filmes nacionais e internacionais.
Além de lançamentos semanais de filmes nada óbvios para vocês assistirem no conforto de casa, a assinatura vem no precinho: R$ 24,90 no plano mensal e R$ 150,00 no plano anual.
Recentemente, os valores dos planos da plataforma passaram por um reajuste, mas eles são tão legais que vão manter pros assinantes da Não Prometo Nada o valor antigo. Ou seja, usando o cupom especial de 36%, a assinatura anual vai sair por R$ 96,00.
Essa semana o destaque fica pro documentário “O Ato de Matar” dirigido por Joshua Oppenheimer & Cia que tenta recriar (literalmente) o Massacre da Indonésia de 1965 onde comunistas e opositores do novo regime na época foram brutalmente assassinados pelos esquadrões da morte do país.
Essa edição está caótica, pois meus pensamentos estão muito caóticos nas últimas semanas, Passei por diversas crises de identidade, meu trabalho temporário chegou ao fim e eu, mais uma vez, me encontro em um limbo do que eu estou fazendo e o que eu acho que deveria estar fazendo de verdade.
Nessas idas e vindas, pelo menos uma coisa se manteve constante na minha cabeça: a vontade de continuar escrevendo aqui. E grande parte disso tem a ver com todo mundo que lê, compartilha, apoia, assina ou simplesmente fala dessa newsletter por aí. Mais uma vez, obrigada de coração.
Esse texto não pretende apontar culpados a respeito da derrota de Guilherme Boulos e outros candidatos da esquerda no segundo turno das eleições municipais que aconteceram no último domingo no país.
Não posso dar muitos detalhes, mas fiz um pouco de parte desse momento político e o que eu posso dizer é que não dá pra fazer política usando as redes sociais como guia e é importante lembrar que figuras como Guilherme Boulos não ganham de primeira — e nem esperam ganhar de primeira. A chegada dessas pessoas ao poder parte de uma construção a longo prazo na qual é preciso ter muita paciência e confiar no trabalho consistente.
Fora isso, como disse no texto da cadeirada do Datena, eleições municipais são tão importantes quanto as presidenciais, pois servem como um marcador ideológico dos rumos do país.
Por mais que muita coisa seja discutida no âmbito federal — seja no Congresso Nacional, decisões do STF ou nas canetadas presidenciais — o avanço do movimento anti-aborto e contra a população LGBTQ+ já acontece de verdade nos municípios, por meio de tomadas de decisões administrativas nas quais é possível impedir muita coisa de acontecer e, assim, avançar com a pauta conservadora sem muito alarde.
O contrário também pode acontecer. Ou seja, é possível avançar pautas progressistas em uma escala municipal, localizada. É assim que lideranças se organizam e passam a defender as necessidades do bairro ou de uma classe em si. Por muito tempo, as coisas eram feitas assim na esquerda.
Afinal, não é mera coincidência que o movimento Escola Sem Partido tenha se iniciado em escala municipal, incentivando que pais e alunos filmassem professores “ideológicos” na sala de aula ensinando sobre ditadura militar ou educação sexual. Isso tem a ver com a sindicalização de funcionários públicos, muitos deles obviamente simpatizantes da esquerda.
Qualquer pessoa que fez parte de um movimento social sabe que tudo isso que estou falando agora é de uma enorme obviedade, mas acredito que esse tipo de pensamento localizado sem necessariamente pensar no “macro” e no que acontece nos bastidores de Brasília é o que as pessoas tentam se referir quando afirmam que a esquerda perdeu contato com as bases.
Semanas atrás, a deputada federal Luiza Erundina deu uma entrevista à Branca Viana no programa Fio da Meada destacando exatamente o que eu estou falando. Além do evidente afastamento do coletivo no dia a dia político, cada vez menos lideranças de esquerda jovens estão nascendo da política.
E concordo, mas não acho que isso necessariamente seja culpa da direita, mas de uma onda de desmobilização em torno dela causada pela ilusão das redes sociais onde passa-se uma impressão de mobilização de massas.
Todavia, isso não é uma característica das novas gerações porque, afinal, a direita tem sido muito boa em catapultar novos nomes na política. E muitos deles ascenderam de maneira dantesca como Nikolas Ferreira, Kim Kataguiri, André Fernandes (acabou de perder uma eleição, mas foi eleito deputado federal em 2022) e Lucas Pavanato.
As derrotas de Guilherme Boulos e Maria do Rosário já eram mais ou menos esperadas, dado as pesquisas de intenções de votos no primeiro e no segundo turno. Nos dois casos, sendo Porto Alegre algo muito mais grave, uma parcela enorme da população decidiu pela reeleição dos seus respectivos prefeitos: Ricardo Nunes e Sebastião Melo.
Infelizmente, junto com as derrotas também acontece o cortejo dos perdedores onde todo mundo segue o carro fúnebre com os dedos apontados para todas as direções buscando alguém para culpar.
Dentre as críticas mais comuns, estão as colocações “a esquerda perdeu contato com as bases”, “a esquerda deveria ter se radicalizado” e, minha favorita, “a esquerda abraçou o identitarismo e perdeu contato com o trabalhador”.
Essa última será o que eu vou tentar, nos meus termos, discutir aqui. Vejo muita gente e muitos intelectuais afirmando categoricamente que a esquerda errou ao abraçar pautas identitárias como o feminismo, movimento negro e LGBTQ+. Por conta disso, segundo eles, problemas “coletivos” envolvendo trabalho, saúde, economia ficaram de lado e o pobre (o Severino Cimento e a Dona Maria hipotética) se sentiram descolados da esquerda. Nesse vácuo, todos correram para abraçar a direita, esta sempre cheia de respostas simples para problemas complexos.
Cada vez mais, isso vem sendo tomado como uma verdade absoluta: movimentos identitários estão destruindo a esquerda. E meu cabelo fica em pé toda vez que vejo isso, pois estamos lidando com um movimento mundial completamente identitário tomando o poder.
A direita.
Crise de identidade
Recentemente, um amigo meu compartilhou uma série de Tiktoks de um cara musculoso usando roupas propositalmente apertadas ensinando os espectadores a agirem que nem um homem. Mas ele não estava ensinando a pegar mulheres ou a puxar um ferro, ele estava ensinando a sentar em um banco que nem um homem, puxar um celular que nem um homem e, claro, pegar algo do chão sem parecer um grande maricas.
Apesar de tudo ser muito ridículo e triste, não é um expediente incomum no movimento masculinista, o qual cresceu tanto a ponto de se tornar algo meio comum, meio pop na sociedade. Tudo nestes lugares se resume à identidade e se encaixar nela custe o que custar.
Uma identidade com múltiplas exigências indo desde a parte visual (corpo, cabelo, roupas) até questões ideológicas. Não basta ser forte, é preciso ser de direita. Não basta ser de direita, é preciso ser predatório, intransigente.
É só analisarmos o movimento que originou a organização da extrema-direita americana: o Gamergate.
O Gamergate foi um movimento em 2014 iniciado a aprtir de uma vaga discussão sobre ética jornalística no universo dos games e muito rapidamente se tornou uma campanha de difamação misógina contra a diversidade nos video games. Um dos principais alvos foi a crítica feminista Anita Sarkeesian, dona de um canal de YouTube onde postava vídeos analisando clichês femininos nos video games e como eles naturalizavam a violência contra as mulheres. Era mais educativo do que crítico.
Não vou detalhar tudo do Gamergate, mas o que mais moveu a quantidade massiva de usuários nas redes sociais a enviarem ameaças de estupro e morte para jornalistas, gamers e desenvolvedoras de jogos era uma defesa de uma identidade que, para eles, estava em risco graças ao movimento feminista.
Uma identidade masculina, heterossexual, branca e não-padrão que já estava mais ou menos formada décadas antes como os “nerds” e “geeks”. E como esse grupo específico já se considerava excluído da sociedade, na primeira crítica construtiva eles decidiram ir para o ataque e destruir qualquer chance de mudança. Esse modus operandi deles de agir em hordas e se encontrar em espaços digitais foi essencial para a formação em massa da extrema direita. O resto é história.
A identidade sempre esteve presente na direita, mas como estamos falando de um tipo de identidade da qual estamos tão acostumados de vê-las ocupando posições de poder, essa ideia acaba se diluindo e se tornando algo mais subjetivo e genérico. O interesse, portanto, do homem branco hétero subjetivo é o interesse universal. Qualquer peculiaridade é encarada como frescura.
O bolsonarismo, afinal, é um movimento extremamente identitário. Ser bolsonarista significa carregar consigo uma série de características inegociáveis: se você é bolsonarista, você é conservador. Se você é conservador, você é favor de Israel, militarismo, antiaborto, cristão, hétero, casado, etc.
Cada passo dado pelo bolsonarismo foi pensando na identidade que eles acreditam estar protegendo a qualquer custo de um inimigo externo — este inimigo, aliás, também tem uma identidade formada na visão deles: comunista, satânico, abortista, gay, transsexual, feminista, pedófilo, etc.
Posto isso, ainda me pergunto o que exatamente as pessoas querem dizer com “esquerda identitária” e a suposta influência dela na política da esquerda.
Pelo que entendi, existe um pensamento meio enferrujado de que a esquerda deveria voltar a focar nos trabalhadores. Aí me pergunto: quem são esses trabalhadores? A era do sindicalismo, infelizmente, acabou. O que mais tem hoje em dia é um batalhão de milhões de pessoas em empregos precarizados, com alta rotatividade, com escala 6x1 e salário baixíssimo.
E quem forma esse contigente? Não são apenas as Donas Maria e o Seus Severino, mas também uma porrada de mulheres e jovens LGBTQ+ ocupando postos de trabalhos precarizados.
Todavia, qualquer mínimo esforço de se comunicar com essas pessoas é visto como algo identitário. E mais uma vez voltamos à massa disforme de “trabalhadores” sem rostos e sem identidade.