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A masculinidade merda é um problema de quem?

Ou melhor: os homens são capazes de, sozinhos, resolverem essa bagunça?

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Marie Declercq
Mar 26, 2025
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Ilustração retirada do ótimo Public Domain Image Archive.

Aparentemente, muita gente assistiu a série “Adolescência”, disponível na Netflix, e ficou pensativo com o impacto das ideologias misóginas na vida de garotos, garotas e adultos.

“Adolescência” é muito bem escrita. Em vez de tentar explicar tudo para o espectador — como acontece com grande parte das produções da Netflix—, ela opta em mostrar o tamanho do rombo que uma ideologia dessas pode causar em uma comunidade inteira.

A série parte do assassinato de uma menina adolescente e a prisão de Jaime, um jovem aparentemente normal de 13 anos, mas supostamente motivado por ideologias misóginas. Sim, os red pills, incels, que seja.

Na real, a motivação por trás do assassinato até aparece, mas a série propositalmente deixa vários detalhes para trás. Você termina a série não sabendo muito bem o porquê disso ter acontecido. E eu acho que na vida real é assim: o que está por trás dessas coisas são motivos nebulosos, contraditórios e compreensíveis apenas para quem decide cometer esse ato de violência. Nunca é “só” a misoginia, ou "só” bullying. É muito mais, só que nem sempre a gente vai descobrir tudo — às vezes a gente sequer vai conseguir entender.

Com base em tudo o que eu observei na última década, a cooptação de jovens para esse universo ocorre partir de um medo bastante universal: a rejeição.

Não é uma coincidência que as primeiras comunidades de incels tenham nascido a partir de uma revolta contra os pick-up artists, isto é, os caras “especialistas" em táticas para conquistar mulheres. Parece idiota, mas isso colou na época.

Muitos caras pagaram por livros, cursos e eventos onde supostamente aprenderiam técnicas infalíveis para transar e, quando perceberam o golpe, se revoltaram não só contra esses proto-coaches de relacionamentos, mas principalmente com as mulheres.

Isso, somado com leituras canastronas de figuras como Ester Vilar e Nessahan Alita, ajudou a construir nas redes sociais a imagem da mulher malvada, vil e perversa, a qual não tem problema nenhum de humilhar um homem interessado nela amorosamente. E vários caras apontam o feminismo como maior culpado da formação dessa figura tão detestável por trás do fim da tal mulher submissa.

Sim, quando você lê esse tipo de coisa escrita a sério em um site ou publicação, você pensa: “Meu amigo, você precisa sair de casa e falar com uma mulher de carne e osso”.

Mas imagina comigo uma coisa: você é um moleque de 12 anos de idade. Você se sente deslocado, feio e completamente fora da curva dos caras musculosos e ricos pipocando no seu feed do TikTok e do Instagram. Você tem medo o tempo todo de ser visto como gay pelos seus coleguinhas de escola, mas também morre com a ideia de se declarar para uma garotinha e ser rejeitado.

Você está passando por tudo isso e, como se não fosse o bastante, seus hormônios estão em chamas. Tudo isso gera um certo temor existencial e, lógico, uma raiva por não encontrar o seu lugar nesse universo tão canibal. Até que você se depara com um vídeo de um cara te dizendo que mulheres são um desperdício de tempo, porque elas nunca se interessarão por você, não são capazes de amar e dificilmente você terá chance na vida amorosa.

Esse cara te trata como um ser humano, mesmo sendo um vídeo com milhões de visualizações, e te oferece uma solução: desista das mulheres, pois elas são e serão culpadas por todo o seu fracasso. Enxergue elas pelo demônio que são e foque em coisas que vão te desenvolver enquanto homem como: musculação, filosofia xexelenta de livraria de aeroporto, cursos online de caras rodeados de mulheres te ensinando a ganhar dinheiro com marketing digital e alguma coisa cuja conclusão é eugenia.

No outro canto, você tem gerações de mulheres e garotas crescendo com raiva e completamente exaustas. Todo dia elas são bombardeadas por notícias de feminicídio, estupro e aborto legal sendo dificultado pela Estado. Grande parte sabe que além de trabalhar, precisará ser responsável pelo trabalho doméstico. Nenhum homem parece interessado em melhorar. E todo dia elas são impactadas por histórias de outras mulheres enganadas de alguma forma pelos homens, tirando qualquer esperança de terem um relacionamento normal.

Veja só, não estou falando de feminismo. Pelo contrário, acho que o acesso ao feminismo está cada vez mais superficial, com um verniz de empoderamento barato que não passa da página 2 e regrediu para um discurso despolitizante, cínico e muito mais focado nas discussões morais irrelevantes do que em ações práticas.

Esse é o cenário atual onde garotos e garotas estão construindo suas visões de mundo. Um cenário onde não há muita esperança nos relacionamentos humanos e a única maneira de marcar nossa própria existência é pela violência. No caso, a violência é quase sempre reservada ao homem e às mulheres resta contar os dias até sair de casa e ser vítima dos mesmos.


Que tal um filme?

Mas um filme legal de verdade e não aquele onde você passa a maior parte do tempo olhando para o celular?

Siga o meu conselho. Assista “O Cremador”, de 1969, dirigido pelo cineasta da República Tcheca Juraj Herz.

Não sei muito bem como falar dele sem estragar a experiência insana que é assistir “O Cremador”. O que eu posso dizer é que conta a história de um gerente de um crematório obcecado pela ideia de espalhar a palavra da cremação a fim de liberar todo mundo do sofrimento da terra. Tudo isso durante a década de 1930 com a radicalização do país pelo nazismo. Além de ser um filme visualmente bonito e perturbador, ele te olha diretamente nos olhos e te desafia o tempo todo.

“O Cremador” tá disponível na Filmicca, uma plataforma de streaming brasileira com um acervo de filmes nada óbvios e nada chatos para você se aventurar.

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